Dérbi de Moscou em palco da Copa tem pirotecnia na arquibancada e briga

Rivais históricos desde os tempos da União Soviética, Spartak e Dínamo se enfrentaram neste domingo (13) em Moscou, pela última rodada do Campeonato Russo em um duelo marcado por torcidas inflamadas, pirotecnia nas arquibancadas, lances pegados e confusão generalizada no fim.

No fim, quem levou a pior foi o Spartak. Derrotado por 1 a 0, perdeu a vaga direta na fase de grupos da Liga dos Campeões da próxima temporada. Terá de jogar a fase classificatória.

Isso pois no mesmo momento o CSKA Moscou venceu o Anji por 2 a 1, com gol decisivo do brasileiro Vitinho e foi a 58 pontos.  O Spartak ficou com 56.

O Lokomotiv já havia garantido o título com uma rodada de antecedência.

Palco de cinco jogos na Copa do Mundo, incluindo Brasil x Sérvia, a Arena Spartak recebeu 42.124 torcedores. Destes, cerca de 3 mil do Dinamo, que fizeram a festa.

O estádio agora só receberá um jogo novamente em 16 de junho, quando a Argentina enfrenta a Islândia.

As torcidas de Spartak e Dínamo, aliás, deram um show. Cantaram os 90 minutos e botaram fogo no duelo. Sem nenhum tipo de restrição a sinalizadores, houve pirotecnia de lado a lado.

No primeiro tempo, inclusive, bombeiros tiveram de agir no setor da torcida do Spartak para apagar o fogo em uma faixa que estava na beira do campo.

Fogo após torcedores do Spartak acenderem sinalizadores (Foto: Fábio Aleixo)
Fogo após torcedores do Spartak acenderem sinalizadores (Foto: Fábio Aleixo)

Isolada em um canto do estádio, os torcedores do Dinamo também usavam e abusavam dos sinalizadores, criando uma nuvem de fumaça preta. Em alguns momentos, explosões eram ouvidas.

Precisando de um empate ao menos para não correr risco de jogar o playoff contra o rebaixamento, o Dinamo soube controlar o ímpeto do rival e em pênalti aos 35 minutos do primeiro tempo ficou em vantagem. O gol foi anotado por Lutsenko.

Rausch, do Dínamo (de azul), disputa a bola com Samedov (Foto: Spartak/Divulgação)
Rausch, do Dínamo (de azul), disputa a bola com Samedov (Foto: Spartak/Divulgação)

O Dinamo ainda teve um outro pênalti claríssimo não marcado a seu favor pelo árbitro Serguei Karasev, árbitro da Rússia na Copa.

Após levar o gol, o Spartak se abalou. No segundo tempo, partiu para cima todo desordenado e escapou de levar mais. No ataque pouco produzia.

A partida também foi ficando tensa, com lances mais ríspidos e empurrões.  Ao apito final, uma confusão generalizada se formou. Mas sem socos ou pontapés. Sobraram mais dois cartões amarelos, totalizando oito.

Se o jogo não empolgou pela técnica, não faltou emoção.

CLUBE DA POLÍCIA X TIME DO POVO

O futebol na era soviética deve grande parte de seu desenvolvimento e popularidade ao clássico moscovita entre Dínamo e Spartak. O jogo resumia o choque entre o clube da polícia e o time do povo, respectivamente.

A rivalidade entre eles começou a se acirrar em 1935, quando Nikolai Starostin, jogador de enorme sucesso no país, que já havia capitaneado as seleções de futebol e de hóquei, resolveu assumir o controle do então Promkooperatsiya. Ao lado de seus três irmãos, o renomearam Spartak.

Ao mesmo tempo, Starostin se aproximou de Alexander Kosarev, chefe da Komsomol [organização da juventude do Partido Comunista]. O órgão disputava o controle do esporte com as forças de segurança, que tinham no Dínamo seu maior expoente. O clube teve a partir de 1936 como presidente honorário o georgiano Lavrenti Beria, chefe da polícia secreta (NKVD) e braço-direito de Josef Stálin (1878-1953).

Beria foi o responsável pela prisão em 1938 de Kosarev, que seria executado. Depois disso, passou a perseguir os irmãos Starostin. Sua fúria aumentava à medida que o Spartak vencia -foram três títulos da liga soviética, contra dois do Dínamo em cinco edições.

A popularidade alcançada pelo clube forjou a alcunha de “Time do Povo”.

A equipe era formada por trabalhadores simples que vinham das camadas populares, enquanto os atletas rivais tinham cargos administrativos e patente militar.

“O Spartak pode ter provocado um antagonismo de classes, mas era popular por uma razão muito mais convencional: o time era bom”, escreveu o historiador norte-americano Robert Edelman no livro “Uma Pequena Maneira de Dizer Não”.

Um episódio que deixou Beria ainda mais furioso ocorreu na semifinal da Copa Soviética de 1939 quando o Spartak venceu o Dínamo Tbilisi por 1 a 0 com um gol polêmico e avançou para a final, superando o Leningrad Stalinets por 3 a 1.

Mesmo após a decisão, ordens vindas do governo forçaram a realização de nova partida entre Spartak e Dínamo. Nova vitória do time de Starostin por 3 a 2.

A rivalidade só aumentava. Em 1942, Nikolai e seus irmão foram presos e acusados de diversos crimes. De acordo com as autoridades, eles estavam impondo práticas burguesas no esporte, aproximando-o do capitalismo. Outro processo os apontava como conspiradores de um plano para assassinar Stálin.

Como pena, foram condenados a dez anos em campos de trabalho forçado na Sibéria. Em 1955, dois anos após a morte de Stálin e a execução de Beria, Kosarev voltou a Moscou e presidiu o Spartak até 1992. Morreu quatro anos depois.

Após o fim da União Soviética, o Dínamo perdeu muito de seu poderio e na “nova Rússia” jamais voltou a ganhar um título nacional. Na temporada 2016/2017, pior: jogou a segunda divisão pela primeira vez.

Já o Spartak se manteve como grande e ganhou mais dez títulos nesta nova era.