‘Não tirei o passaporte russo pensando em seleção’, diz goleiro brasileiro

Há onze anos na Rússia defendendo o Lokomotiv Moscou, Guilherme Marinato, 32, conseguiu nesta temporada algo que perseguia desde que desembarcou no país: o título do campeonato nacional.

Na próxima temporada, realizará outro sonho. Jogar a Liga dos Campeões.

Incontestável no gol do time moscovita pelo qual soma 245 partidas, ele parece não conseguir convencer o técnico da seleção russa Stanislav Cherchesov de seu talento.

Naturalizado russo desde 2015, ele esteve na equipe nacional na Eurocopa de 2016 e na Copa das Confederações de 2017. Neste último torneio, Cherchesov era o treinador. Mas desde então só perdeu espaço.

Na lista para a Copa divulgada na sexta-feira (11), Guilherme aparece como o quinto goleiro e nem irá para os treinos da seleção. Suas chances de estar na Copa são praticamente nulas.

Mas isso não o incomoda, como ele revelou nesta entrevista exclusiva ao blog.

“Quando tirei meu passaporte, a ideia e o principal objetivo era ajudar o clube a não extrapolar o limite de estrangeiros, e não jogar pela seleção”, disse.

“Mas acho que ele [Cherchesov] não deve gostar muito do meu trabalho”, afirmou.

Confira o papo com Guilherme:

Depois de 10 anos no clube enfim conseguiu ser campeão russo, um título que o Lokomotiv não alcançava desde 2004. Qual o sentimento?
É a realização de um sonho. Em 2013/2014 estivemos bem próximos. Mas na penúltima rodada perdemos a chance a ainda acabamos em terceiro. Foi triste para caramba. Esta vez sempre estivemos na frente e seria muito frustrante não ganhar um título, ainda mais para mim. Estou há muito tempo aqui. Ganhar este título serviu para tirar um peso das costas.

Antes de vencer o Zenit na rodada passada, a penúltima do campeonato, vocês vinham de três jogos sem vitória e sem marcar gols. Temia que perderiam o campeonato após abrir oito pontos de vantagem para o Spartak na reta final?
“Dentro do time, a gente sabia que não ia perder este título. Faltou mais calma e ter menos ansiedade. Estava tão próximo o título que pecamos na ansiedade de querer ser campeão.
No jogo contra o Zenit, foi diferente. Jogamos como vinha jogando antes de criar a ansiedade. Jogando com calma, esperando para sair no contra-ataque. Nossa estratégia foi assim o campeonato todo. Não tinha porque querer mudar isso. Conseguimos mudar.

Guilherme em ação pelo Lokomotiv, clube que defende desde 2007 (Foto: Arquivo Pessoal)
Guilherme em ação pelo Lokomotiv, clube que defende desde 2007 (Foto: Arquivo Pessoal)

O Iuri Siomin, técnico de vocês é um ídolo do Lokomotiv né? Terceira vez que  time é campeão russo e terceira vez que ele é o treinador. Como é sua relação com ele?
Sou muito grato ao Iuri. Tudo que aconteceu comigo aqui é graças a ele. Ele era presidente do clube em 2007, quando cheguei. Mas durou pouco. Ele saiu da presidência e foi para o Dínamo [Moscou]. Ai voltou como treinador em 2009. Eu estava dois anos sem jogar aqui por causa de duas sérias lesões no joelho e estava encostado. Estava com cabeça em voltar ao Brasil. Mas fomos para a Áustria na inter-temporada e ele me deu chance. Fiz três jogos e fui muito bem. Quando voltei para o recomeço do campeonato, nunca mais saí. Até hoje jogo como titular. Foi o cara que acreditou em mim. E por tudo que conquistou aqui é um ídolo.

E como será jogar a Liga dos Campeões? Todo jogador na Europa tem isso como principal meta.
É mais um sonho a ser realizado Em 2009, assim como neste ano também iam três para a Champions. Ficamos muito perto. Acabamos em quarto, perdendo o desempate com o Zenit. Mas nunca é tarde para ter uma nova oportunidade na vida. Será outra grande experiência.

E como é a torcida do Lokomotiv, muito sofrida não? O Spartak sempre faz muito sucesso, o CSKA também e você sempre aparecem como a terceira força da capital.
É uma torcida carente de títulos do campeonato, apesar de termos ganhos a Copa o ano passado, por exemplo. Mas o último título nacional havia sido em 2004. É só nosso terceiro título, comparando com o Spartak e CSKA é pouco. E eles têm torcidas grandes. Mas a nossa torcida está sempre tentando apoiar e tenho certeza que vai subir nossa média de público também.
Nota do blog: O Lokomotiv teve média de 12.508 torcedores em casa nesta temporada. O CSKA tem 14.689 e o Spartak 29.337. Estes dois últimos times jogam em casa na rodada final deste domingo. 

Guilherme durante treino da Rússia na Copa das Confederações de 2017 (Evgeny Biyatov - 20.jun.2017/Sputnik/AFP)
Guilherme durante treino da Rússia na Copa das Confederações de 2017 (Evgeny Biyatov – 20.jun.2017/Sputnik/AFP)

Como você encara o fato de ter sido colocado apenas como quinto goleiro na lista da seleção e nem ir para os treinos? Fica triste?
Quando surgiu a oportunidade de ganhar o passaporte [em 2015], minha ideia era para poder jogar como russo e não ocupar vaga de estrangeiros. Isso ajudaria muito o clube. Por muitos anos, eu fui o único goleiro estrangeiro aqui. Meu objetivo era esse, e nunca o de jogar pela seleção. Mas em 2016 houve convite e jamais iria recusar. Foi o Slutski [Leonid, ex-treinador da seleção] que deu esta chance. Por respeito ao país e tudo que a Rússia me proporcionou no futebol nunca passou pela minha cabeça recusar. Tenho 32 anos e claro que seria bom para estar na Copa, mas estou muito tranquilo. O que mais queria neste ano eu já consegui, que era ser campeão.

E como você vê a escolha dos goleiros?
Friamente pensando, o [Igor] Akinfeev é titular absoluto. Tem um goleiro reserva que é o [Andrei] Luniov. Não faz sentido levar um experiente para ser terceiro [Vladimir Gabulov, 34, deve fcar com a vaga]. Deveria levar alguém com perspectiva. Não entendo muito bem as escolhas, e não faz muito sentido. Cada treinador tem sua forma de pensar e respeito.

No ano passado, após a Copa das Confederações, teve o jogo da final da Supercopa da Rússia contra o Spartak e a torcida deles começou a provocar cantando ‘por que diabos a seleção precisa de um macaco’. Você acha que isso influenciou para você não ser mais chamado? 
Eu acho que não tem nada a ver. Eu não creio. Não faz sentido nenhum. Eu nem prestei a atenção e depois a assessoria do clube disse que não era para mim. Acho que é mais mesmo o uma questão de gosto. Até mesmo na Copa das Confederações até a lista final eu não vinha sendo chamado, mas muitos goleiros se machucaram e eu fui.

Você acha então que é uma questão de gosto? Afinal, você é um dos melhores goleiros do campeonato, como mostram os números.
Sou o menos vazado do campeonato e o goleiro que fez mais defesas. Sou o melhor goleiro neste campeonato pelos números. Então deve ser uma questão de gosto. Ele não deve gostar muito do meu trabalho. A posição de goleiro é uma de confiança do treinador, é a que mais precisa de confiança dele. E quando um cara tem esta confiança, pode falhar e errar que não vai sair do time.

Como suas chances de ir para a Copa são mínimas, o que pretende fazer durante ela?
Vou ficar aqui pela Rússia porque as aulas das minhas filhas vão até o fim de junho. depois debo dar uma viajada aqui perto. E depois já começa nossa pré-temporada. Mas enquanto estiver em Moscou tentarei ver jogos da Rússia e do Brasil.