O dia em que tive um minuto de fama na televisão russa falando em russo
A maioria dos jornalistas que escrevem para jornais ou sites pouco têm o costume de aparecer frente à câmera, ainda que isso esteja mudando cada vez mais na era multimídia.
Eu mesmo faço/fiz isso raríssimas vezes e admiro todos que têm a desenvoltura de se comunicar com o público de uma maneira clara e de fácil compreensão e não na base da gritaria.
No Brasil, nunca participei de um programa ao vivo na televisão.
Se em português já não me sentiria tão confortável, imagina então em russo, uma língua que aprendo há quase quatro anos, mas estou ainda longe de ser fluente.
Óbvio que estando aqui desde fevereiro e já ter passado um par de meses em 2017 faz com que cada vez tenha mais desenvoltura.
Mas falar ao vivo não é brincadeira não. Imagina então estar de frente para todo o país, no principal canal e em um de programas de maior audiência em dias comuns e potencializado durante a Copa após a derrota da Rússia de 3 a 0 para o Uruguai.
Mas como toda experiência na vida é válida, resolvi aceitar o convite dos produtores do Pervi Kanal (Первый Канал) para participar do Пусть Говорят (Pust Govoriat, algo como Deixe-os Falar, em português).
É um talk show que existe desde 2001 e aborda os mais diversos temas, de todas as esferas possíveis, sempre com algum tipo de polêmica. Ouvi de vários russos com quem convivo que é um programa sensacionalista. Mas também é o mais visto do país, com média de 10 milhões de espectadores diariamente.
O programa de segunda-feira (25) teve 1h15 de duração e entrou no ar tão logo acabou o jogo da Rússia.
Cheguei antes, assisti à partida no estúdio e vi os russos lamentarem a goleada. Num tribuna ali montada havia alguns torcedores brasileiros que foram pegos na rua para fazer figuração, alguns franceses e muitos moscovitas.
Havia até o torcedor-símbolo da França Clément D’Antibes com um galo. Ele já esteve em vários Mundiais. O bicho emprestado pela produção é que não estava gostando muito da coisa. Clément sempre levava seu galo Balthazar aos estádios, mas há alguns anos recebeu veto da Uefa e da Fifa.
A ideia era que eu falasse um pouco da experiência de vida aqui e sobre os estereótipos da Rússia, quase uma mini-entrevista.
Mas sabe como é programa ao vivo. Entrevista pós-jogo, link com torcedores, discussão no auditório, link com correspondente na Inglaterra e o tempo vai passando e tudo mudando.
Eu deveria entrar no palco andando sendo chamado pelo apresentador e sentar num dos sofás.
Mas com o tempo corrido tudo mudou. Torcedores que haviam sido convidados para falar viraram figurantes no auditório.
Eu ainda acabei dando sorte. No intervalo mesmo me mandaram sentar no sofá. Na volta dos comerciais, faltavam menos de oito minutos para acabar o programa.
Pensei também que seria um mero figurante e teria perdido um tempo precioso do dia. Em coberturas grandes, qualquer dez minutos desperdiçados podem custar caro na produção ou até mesmo no pouco descanso que temos.
Faltando cinco minutos, finalmente chegou minha hora. Colocaram imagens de ursos em táxis, em motos e pelas ruas da Rússia e perguntaram se as pessoas pensavam isso mesmo do país.
Disse que sim e que estes vídeos viralizam rápido no Brasil. Depois, rapidamente falei sobre o que a Copa do Mundo podia significar para mudar a imagem da Rússia e que muita gente que conhece o país pela primeira vez se surpreende.
E foi isso. Não devo ter falado nem dois minutos.
O programa acabou. Um convidado ao meu lado que usava um chapéu e tinha um estilo bem raro se levantou e disse. “E eu quando falo? Para isso estive aqui?”.
Com a correria do programa, o debate e mais de dez convidados tendo que falar, acho qie ele nem lembrou que teve direito a quase um minuto de discurso lá no começo.
Deixei o estúdio, peguei o celular e havia três mensagens de colegas russos falando que haviam me visto na TV. E isso que nem os tinha avisado. Imagina quantas outras pessoas não viram o programa por esta Rússia enorme.
Acho que aquela frase que fala sobre um minuto de fama nunca caiu tão bem para esta experiência no mínimo pitoresca que tive!